REGIONAL | Leia os poemas finalistas da 35ª Noite da Poesia

AINDA SOBRE O LITORAL CENTRAL Volmir Carodoso

 

AINDA SOBRE O LITORAL CENTRAL

Para Geraldo Roca

 

Eis que ele chegou com seu canto,

polca rock, Dylan guarânio.

Guitarra com fúria de harpa:

feito uma cerca arrebentada.

 

Diziam do bardo: este, herdou terras!

E ele teimando em fazendas no ar.

Sulcando o vento, foice elétrica, rio sonoro,

arredio como o Apa, vetusto como o Paraguai.

Nunca se curvou: mais louco do que a média,

a ponto de correr atrás do que o dinheiro não compra.

Alumbrado com tradições platinas, litorais centrais, outra onda.

O rio.

Andou triste em Copacabana, a chuva sobre o mar.

Back in Big Field: rebelde agropunk e tome polca outra vez!

O Mar de Xaraés nos bueiros da cidade.

O guaicuru em seu cavalo pedrês

pisando capôs de picapes na Afonso Pena.

Carpinchos aluados e blasés furando o sinal vermelho.

O machete guarani, o silvo do desassossego, a vingança Terena.

 

Ah, querido aedo, porque não vais mais cantar?

A lira descendo o rio, afogada oferenda,

De Asunción a Corumbá,

O pai do seu pai na chalana, um fantasma, uma lenda a te esperar.

O pôr do sol lindo de morrer e as estrelas do cruzeiro ainda fazem um sinal.

O estalo tépido na noite de natal,

Um tiro, longo como um gongo,

Um bolero triste, uma milonga.

Terremoto que estronda e engole noites mágicas em Machu Picchu.

O rio represado, lago em círculo: um disco.

Rastro acústico de utopias platinas.

Estradas d’água.

Nandi Vera: vacío que brilla.

Hasta luego, mi camarada.

Eres semilla.

 

JUSTA MEDIDA Susylene Dias De Araújo

 

Justa Medida 

 

A poesia, 

tão cansada de pedir licença, 

agora deu pra exigir justiça do tipo poética. 

E com as próprias mãos agarra o verbo

–  cansado, roto, desbotado – e cega.  

Nas ruas,   

levanta bandeira, agita o cartaz, 

se arma na palavra e aparece 

– voraz – na camiseta. 

Se tarda,

falha.     

Amarildo, Flausino, Marielle, Eloá ou Thémis? 

Qual é teu nome? 

musa da balança,  

deusa que não me enxerga.

 

UM MANEQUIM Reginaldo Albuquerque

 

                      Um manequim

 

Fresca aurora recua a face em despedida…

Ao pé do pau-brasil, num recanto da praça,

esparso, um manequim jaz sem dor, riso ou graça,

confeitado de musgo e relva umedecida.

 

No ar urbano que o envolve, ainda uiva a carcaça

arquejante da infâmia, asquerosa, incontida!…

É um quadro a profanar os sonhos nesta vida,

no antigo e inane ciclo: ecoa… instiga… e passa…

 

Faísca o sol… intrusa ave cisca-lhe o brim

do peito… alheia, aviva um medalhão carmim…

O susto a asa distende e espalma, o céu cortando!…

 

No delírio, ao luar, um telão repetia:

Luz de som… dó-ré-mis de cores… e a euforia

da nave e os seus robôs atirando, atirando…

 

MEMÓRIAS DE IPE Adrianna Alberti

 

Título: Memórias de Ipê

 

Nascida fria na garoa lilás constante,

na terra tingida de pôr-do-sol

construiu suas asas em papel e reminiscências,

deixando raízes emaranhar seus tornozelos

até chamar de casa o inverno inclemente

 

Há memórias de ipê em seus verbos e em suas curvas

frutos dos anos fragmentados entre o aconchego, o suor e a lágrima

Guardadas nas tardes que se rendam de árvores em sombras

do lusco-fusco em ruas e estradas cheias de alvoroço

 

Há digitais marcadas à silêncio afável que tatuam a pele

para, indeléveis, serem sempre aspirações para linhas em branco

 

Ela, nascida suçuarana, toda úmida, introspectiva e tímida

foi, seguindo a sombra de uma onça arredia,

que se encontrou aroeira em flor, arisca, fascinada

Vermelha!

 

E fica guardado entre céus azuis e sóis cinzas

depois dos ventos de poeira e fumaça e das chuvas

 

Aquela crise escondida atrás do portão que se enfeitava com flamboyant

distraída pelos cachos da cássia-imperial 

e seu perfume doce que, à noite, encobria o cheiro do cigarro

 

A cativa de um primeiro encantamento 

disfarçado de tucano voando em meio aos carros 

pousando ainda robusto numa figueira distante

 

O beijo quente de um chuvisco tardio de fim de dia

 

UM RUGIDO DE LEOA LUCIANA FERREIRA DA SILVA

 

UM RUGIDO DE LEOA

 

Empodere-se mulher guerreira independente

Tá no corre não se rende mulher rei na linha de frente

Firme igual baobá no solo sagrado

Defendendo o legado está de Black e punho cerrado

 

Sou rainha sou guerreira nossa história é verdadeira

Minha rima representa toda realeza preta

Preta bonita livre e de pele escura

Voz pesada poderosa nossa força é a cultura.

 

Rainhas brilham com poder de governar

Eu quero e nota sobre nota cada uma escolhe seu lugar

Dona do destino lutando por direitos

Fiz da resistência um hino enfrentando preconceitos.

 

Revolucionária e com coragem no olhar

Seja forte nem as barras das grades vão te parar

Lutar contra a corrente buscando nosso espaço

Sempre determinada com o coração de aço

 

Herança genética vinda de ancestrais

Fortes inteligentes mulheres fenomenais

No livro de aço quero as heroínas

Mariele, Sueli, Djamila, seleção feminina

 

Aqui a cor é uma sentença Gueto periferia

Nossa consciência negra supera a covardia.

O sistema é racista e ataca meus irmãos

Te quer morto esquecido sem nenhuma explicação.

 

Sou filha da diáspora um pedaço da África

Que luta todo dia para se manter intacta.

Minha fé é minha arma o meu crespo minha coroa

no griot minha mensagem um rugido de leoa.

 

DIVISÃO DO TRABALHO Tarita Almirao

Divisão do Trabalho

Quando estudei
Divisão do trabalho
O significado da especialização
Eu não pensei que dividiam
A galinha
Coxa, rabo, peito
Pra que a gente não visse
nesses pedaços
Uma vida.
Quando li sobre alienação
Eu não entendi

Como não percebiam
Que também nos dividiam
Em 

Coxa, rabo, peito
Pra que não pudessem reconhecer
Uma mulher nessas 

Fatias.

 

Vindas e voltas Cristina Rubert

 

Vindas e voltas 

A linha me escrevia

a lápis ou à caneta

errava, rasurava e se repetia 

 a natureza, toda, de mim, se ria.

 

No Eden, a maçã mordia meu avesso,

em contrassenso, sentia o gosto dela

dentro de minha vida sem preço.  

 

O escárnio anunciara o maldizer

um milhão de anos

no eu, no outro, no eles e no você.

No tempo de vida vazia, me desencontrava 

no vão, cismava viver

em vanglórias, tortas e retas

côncavas e convexas

não vivia, expirava,

em cada amanhecer.

 

Escrever certo na linha torta

escrever torto na linha certa

era clichê do mestre e do discípulo

no plano e na rota, na tentativa do aprender.

 

E, na narrativa, 

ser prosa, ser poesia

ser real, ser fantasia

no palácio ou no barraco

sair do rascunho, passar a limpo

o não e o sim do nascer

crescer, se reproduzir e morrer. 

 

Nas vindas e nas voltas

em linha reta e torta, na curva, na estrada, na passagem

ser o grão dentro da vagem.

 

Se deixar ir nas asas de um unicórnio

fruir, soltar, se divertir, no plexo, não pré ocupar

no ganhar, no perder, começar nova via

desentalar, vomitar tudo o que asfixia,

 deixar, no duro da calçada, a flor nascer, ainda que tardia.

 

No sim e no não, ser viagem sem contramão

servir ao bem em ação

escrever a vida em versos livres

e, na cantiga de amigo, ser de amor

sem culpa, sem medo, sem dor. 

 

INFLORESCÊNCIA Gleison Garcia da Silva

 

Há uma celeuma de silêncio no subúrbio

ainda que se possa ouvir

com os pés do ouvido, os latidos 

dos cães de dona Meire

fio condutor de entrelaços;

o mórbido motor da geladeira 

o ranger surrado 

da cama suada

os sopros do ventilador de chão;

telhados riscados de transas felinas

alguns arranhões

na pálida luz que golfa da íris da Lua —

gota azul, reflexo, vela, penumbra. 

 

Há um outro silêncio, maior ainda,  

vulto enorme que martela

na dureza do trabalho do servente

que descansa com horas contadas 

para construir o altíssimo edifício 

de hora alguma. 

 

da moça escarlate 

que pelos seios enigmáticos 

da noite (a qual é dama) 

atende seus clientes eretos,

 

do velho que vende desinfetantes multicores em pets

sob o asfalto cinzento 

da sua vagarosa carriola

que carrega a coluna entortada

de tantas outras histórias. 

 

Há um silêncio repentino 

na rouquidão escura das ruas 

derramadas em mais silêncios, 

em voltas infindas, cheias de mãos e olhos, 

ambições, euforias, lágrimas 

nas fendas, neste céu fantasmagórico 

pelo lume anêmico dos postes aos labirintos

que alimentam os ossos das mães melancolias. 

 

Há um silêncio dentro de si mesmo

soniais madrugadas 

que guardam as chaves primordiais

dessas nossas transmemórias.

 

Luciano Risalde

 

 

Lá 

a Lua é presa por uma teia de aranha,

Quando a Lua cansa, se deita e o Sol levanta.

Lá os passarinhos são a banda que canta,

E o grilo também é o cantor.

 

o Rio é a piscina de todo mundo,

É plantação de peixe, é aquário sem vidro.

Lá as casas não sabem o que é muro,

Existe o com licença, obrigado e por favor.

 

os vagalumes brincam de ser Estrela,

Acende e apaga, pisca- pisca a noite inteira.

Lá o Sol é a grande fogueira,

Que queima e aquece a minha alma.

 

as Estrelas não são feitas de avião.

Lá as Nuvens são feitas de algodão.

Lá as Flores também tem coração.

Lá é onde Deus encontrou a calma.

 

Abster-se da verdade Bruno Rodrigues de Oliveira

 

Abster-se da verdade

 

É covarde a escolha de abster-se

indo se perder num breve labirinto

− encucado dos presságios e desterros −

esnobando o desmazelo de importa-se,

 

tal ruínas dos segredados transatos

− excluindo do arqueólogo xereta −

pelo mato em meio a terra, os tesouros

redigidos nos rodapés dos contratos?

 

Ou encare o xeque-mate do acaso

feito pústulas pingando (mascaradas)

e corrompa as tais verdades abjetas,

acondicionando as gotas no seu vaso;

 

ou pulule as mentiras desenhadas

como a rupestre arte esquecida,

revelando as imagens do remoto

sob as sombras das ideias perpassadas.

 

Só inflija a dor que um dia suportou.

A verdade pode mesmo alforriar,

entretanto, os males (ácidos sulfúricos)

são intrínsecos no seu plano de voo.

 

Transfigure as verdades floreando-as

em aveludadas rosas escarlates,

e, por fim, entenda a relatividade

das mui vozes em sua boa ressoando.

 

Oliveira do Cerrado

 

CONFIRA OS VENCEDORES DA 35ª NOITE DA POESIA

Com a categoria nacional, seguem os 10 vencedores:

1. O tênis dançando a maneira do equilibrista Marina Alexiou SP 26,13
2. começos Samantha Buglione PA 25,72
3. SERÁ UMA LONGA SAGA POR ENTRE AS SARJETAS DA MADRUGADA Marcel Gara MG 25,70
4. Aspas entre Compostela Adson Ssouza SC 25,54
5. A mochila quase toda descorada, nas costas, Fabrício Lima BA 25,53
6. O nunca é um lugar que sempre me visita Andre Kondo BA 25,24
7. quando era noite e estávamos todas deitadas Manoela Maia SP 25,23
8. Marcador Darci Cunha RJ 25,03
9. Desassombrear o Cinza do Dia Logã RJ 24,93
10. Uva de Eva Ana Patrícia de Lima Amorim PB 24,92

Com a categoria regional, seguem os 10 vencedores:

1.     AINDA SOBRE O LITORAL CENTRAL Volmir Carodoso MS 26,60
2.     JUSTA MEDIDA Susylene Dias De Araújo MS 25,53
3.     UM MANEQUIM Reginaldo Albuquerque MS 25,33

 

4. MEMÓRIAS DE IPE Adrianna Alberti MS 25,20
5. UM RUGIDO DE LEOA LUCIANA FERREIRA DA SILVA MS 24,73
6. DIVISÃO DO TRABALHO Tarita Almirao MS 24,30
7. Vindas e voltas Cristina Rubert MS 24,23
8. INFLORESCÊNCIA  Gleison Garcia da Silva MS 24,00
9. Lá Luciano Risalde MS 23,74
10. Abster-se da verdade Bruno Rodrigues de Oliveira MS 23,73

Finalistas da 35ª Noite da Poesia!

📣📚 Anunciamos com grande emoção os finalistas da 35ª Noite da Poesia! 🌟✨ Preparamos um verdadeiro banquete de versos para todos os amantes da poesia. Confira os talentosos finalistas nas categorias Regional e Nacional:

Categoria Regional:
1. Adrianna Alberti – MEMÓRIAS DE IPE
2. Bruno Rodrigues de Oliveira – Abster-se da verdade
3. Cristina Rubert – Vindas e voltas
4. Donnie Sparrow – Há uma celeuma
5. LUCIANA FERREIRA DA SILVA – UM RUGIDO DE LEOA
6. Luciano Risalde – Lá
7. Reginaldo Albuquerque – UM MANEQUIM
8. Susylene Dias De Araújo – JUSTA MEDIDA
9. Tarita Almirao – DIVISÃO DO TRABALHO
10. Volmir Carodoso – AINDA SOBRE O LITORAL CENTRAL

Aqui está a lista da categoria Nacional dos finalistas da 35ª Noite da Poesia:

Categoria Nacional:
1. Adson Ssouza – Aspas entre Compostela
2. Ana Patrícia de Lima Amorim – Tua mão disse
3. Andre Kondo – O nunca é um lugar que sempre me visita
4. Darci Cunha – Marcador
5. Fabrício Lima – A mochila quase toda descorada, nas costas,
6. Logan – Desassombrear o Cinza do Dia
7. Marcel Gara – SERÁ UMA LONGA SAGA POR ENTRE AS SARJETAS DA MADRUGADA
8. Manoela Maia – quando era noite e estávamos todas deitadas
9. Marina Alexiou – O tênis dançando a maneira do equilibrista
10. Samantha Buglione – começos

Parabéns aos finalistas da categoria Nacional e Regional! Estamos ansiosos para compartilhar essas incríveis obras com o mundo. 📖🌍 #NoiteDaPoesia #Finalistas2023 #PoesiaBrasileira

Parabéns a todos os finalistas! Mal podemos esperar para compartilhar essas obras de arte com o mundo. 📖🌍 #NoiteDaPoesia #Finalistas2023 #PoesiaBrasileira

Edital da 35ª Noite da Poesia!

Clique aqui para ler o Regulamento da 35ª Noite da Poesia!

📣✍️ Abertura do Edital da 35ª Noite da Poesia! 🌙✨

A Prefeitura Municipal de Campo Grande-MS, em parceria com a União Brasileira de Escritores de Mato Grosso do Sul, tem o prazer de anunciar que as inscrições estão abertas para o concurso literário “35ª Noite da Poesia”! 🎉📚

📝 Quer participar? O regulamento completo está disponível em nosso site: 👉🌐 https://ubems.org.br/ 👈

🏆 Nessa edição, premiaremos os melhores poemas em duas categorias: autores nacionais e autores sul-mato-grossenses. O objetivo é estimular a produção literária no segmento da POESIA! 📜✒️

🌍 O concurso é aberto a qualquer pessoa, sem limite de idade, brasileiro(a) nato(a) ou naturalizado(a), ou estrangeiro(a). Os textos devem ser em língua portuguesa.

📅 As inscrições vão até a meia-noite do dia 25 de agosto de 2023, no horário de Mato Grosso do Sul. Não deixe para a última hora! ⏰

🏆 Os 10 melhores poemas serão premiados, e os 3 primeiros colocados em cada categoria receberão prêmios em dinheiro! 💰💫

📌 Lembre-se de seguir todas as diretrizes do regulamento, como limite de versos e temática livre. Não serão aceitos trabalhos que prejudiquem terceiros ou tenham caráter ofensivo.

📩 Dúvidas e informações adicionais podem ser solicitadas pelo e-mail: ubems@ubems.org.br 📧

✨ Faça parte dessa noite de poesia e celebração literária! Não perca a oportunidade de compartilhar sua arte conosco. Inscreva-se agora mesmo e boa sorte! 🌟🖋️

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Regulamento-2023

Escritoras Sul-mato-grossenses em Vídeos: assista aqui!

Como parte final do projeto “Escritoras Sul-mato-grossenses em Vídeos”, foram lançadas e disponibilizadas as seis partes do documentário na internet. O material foi produzido pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) em parceria com o Centro Histórico e Cultural (CHC) do hospital, a Escola de Saúde da Santa Casa de Campo Grande e a União Brasileira de Escritores de MS (UBE/MS) com objetivo de celebrar a vida e as obras das mulheres precursoras da literatura no Estado.

 

As gravações do material foram realizadas na Escola de Saúde durante o ano de 2022, como parte inicial do projeto e, em seguida, aconteceram rodas de conversa nas salas de aulas, entre as escritoras e os alunos do curso de Letras da UFMS, com a participação do supervisor do CHC do hospital, Aparecido Simionato. O próximo passo é apresentar esses vídeos às instituições educacionais e culturais de todo o país.

 

Entre os temas debatidos no documentário, estão as dificuldades e empecilhos implicados pelas escritoras na condição feminina e, também, a igualdade de gênero e o empoderamento da mulher. Já nas salas de aulas, as rodas de conversas foram focadas na educação inclusiva e de qualidade, além da história de vida das escritoras.

 

A primeira escritora a participar do projeto foi Sylvia Cesco, que é formada em Letras, em Pedagogia e em Psicopedagogia, além de ser especialista em Línguas e Literatura Portuguesa. A profissional já foi premiada em diversos concursos de poesias e publicou as obras “Guavira Virou”, “Mulher do Mato”, “Sinhá Rendeira”, “Ave Marias Cheias de Raça”, “Histórias de Dona Menina” e “Três Poetas Uma Via: Aldravias”.

 

Também participaram do projeto as escritoras Vanda Ferreira, Maria Madalena Dib Mereb Greco, Lenilde da Silva Ramos e Vera Tylde (foto). “A minha história começa aqui na Santa Casa, eu nasci na Maternidade daqui do hospital no quarto número três. E eu sei desse detalhe porque meu pai gostava muito de escrever (…) e tinha um diário. Eu tive o privilégio de ter nascido em uma casa que cultivava a arte e cultivava a cultura”, comenta a personagem do documentário, Lenilde Ramos.

 

“Nós líamos muito em casa e como eu sou caçula, com uma diferença de 6 e 8 anos, desde muito pequena eu já estava lendo de tudo. Os três irmãos liam três livros em uma semana e era aquela rapidez para ler, entregar e pegar outros. Então, essa foi a importância da leitura na construção da minha redação”, relembra a escritora e historiadora, Maria Madalena Dib, em trecho do documentário.

 

Veja os vídeos aqui:

 

Vanda Ferreira – Escritoras sul-mato-grossenses em vídeo

Maria Madalena – Escritoras sul-mato-grossenses em vídeo

Lenilde Ramos – Escritoras sul-mato-grossenses em vídeo

Vera Tylde – Escritoras sul-mato-grossenses em vídeo

Sylvia Odinei Cesco da Silva – Escritoras sul-mato-grossenses em vídeo

Leia os finalistas da categoria nacional da 34ª Noite da Poesia!

  • PRIMEIRO LUGAR

SINA ESTRADEIRA

Valéria de Cássia Pisauro Lima

 

Entre grandes campos, cerrados

Vestem verdejantes serras

Deslizam prosa e segredo  

Encanto de céu, água e terra.

 

Descem em mim poentes

Pássaro tenor dobra o pio

Deve ter uma morena cantando

Na margem de um beira-rio.

 

Na linha avermelhada do horizonte 

Brilha o desejo de existir urgente 

Caminho apertado, destino arado,

Afina o sentir em tudo o que se sente.

 

Mas, meu corpo correnteza 

Carrega a poesia da estrada

O mesmo rio não volta atrás

Não secam folhas molhadas.

 

Saudade acompanha a sina 

Quem parte busca o sonhar

Quanto mais se distancia

Aumenta o desejo de voltar.

 

Crio à risca meus atalhos,

Sigo firme sem me despedir,

Se um dia quiser que eu volte, 

Permita-me, então, partir.

  • SEGUNDO LUGAR 

QUEBRANTO

MAURÍCIO LIMEIRA DOS SANTOS

 

Eu não posso ler poesia

porque preciso lavar a roupa.

Não é que meus olhos estejam gastos,

não eles, é o peito

que ficou embrutecido

e não se deixa comover.

O coração desaprende.

 

Eu não sei me abstrair para o lirismo

porque o menino está chorando.

Existe terra e pedra na cozinha,

lama e noite na janela aberta,

e não existe mais janela nem cozinha,

só a vala por onde a casa escorreu.

Eu peço um agasalho,

visto um agasalho mas não sei como será

se eu de repente adoecer.

 

Eu não consigo me deixar levar

por palavra doce e rima,

porque acima do sonho que me embalava

agora falta um teto,

e tem esse quebranto que não cessa,

e chove, e estamos sujos.

 

Eu não consigo me ver na folha

desse livro, eu peço licença.

Eu sinto vergonha

quando olhos como esses me vasculham

e se apiedam.

Eu sei que estou cheirando mal.

Eu peço desculpa.

Vou ver o menino.

O menino dormiu.

  • TERCEIRO LUGAR 

Lar

 Léo Ottesen

 

Se eu pudesse escolher um lugar pra morar…

Deitado na cama com o pai, vendo tevê

em silêncio

e dizendo tudo.

 

Na cama do lado da cama da mãe, vendo tevê,

discutindo os filmes

e discordando e concordando um com o outro

em paz.

 

Na mesa da cozinha ensinando meu filho matemática,

mesmo sem saber.

Ou nas aulas de inglês que ele desistiu de ter.

 

Nos churrascos da irmã, em que eu só bebo e nunca como.

No jogo de cartas com a sobrinha, que só vence,

e eu nunca entendo como.

 

Se eu pudesse escolher um lugar pra morar,

onde eu pudesse ter lar e aguentar o que vem…

Não seria onde.

Seria quem.

  • QUARTO LUGAR 

Guerra do Paraguay

Carlos Brunno Silva Barbosa

 

Eis o soldado semeando a paz,

queimando homens, terras, animais,

e ele crê na bondade dos seus atos,

é um homem bom, cidadão pacato.

“Matei por nós!”, diz pra pátria distante.

“Matei por nós…”, repete hesitante,

pois o vento vestido de mortalha

nada espalha além do odor da batalha.

A morte perfuma a farda ferida

do assassino herói cheio de vida.

 

Perto dele, rasteja uma ave insana:

de asa quebrada, um pájaro campana,

contra o bruto brasileiro, ele canta,

mas seu canto feroz mais nada espanta.

Dá-lhe o inimigo um olhar de soslaio

– pena ou pesar pelo anão paraguaio?

 

Rufa o tambor o bárbaro exultante,

traz, fora de si, o brado retumbante,

mas, por dentro, o gigante sente fome,

a mesma míngua que a tantos consome.

Cresce o Império, mas sedimenta o pobre:

a glória faminta não lhe faz nobre.

Na penúria, entre presos e presas,

vem realidade, cai realeza.

Já nas palmeiras longínquas de cá,

gorjeia, abandonado, o sabiá:

“Ah, Brasil voraz, pai de tantos ais,

quanta avidez por guerra, quantos mais?

Tanta dor, trevas, tantos Paraguais!”

Mesmo surdo e longe, o caboclo escuta.

 

Agora o soldado volta da luta

para outra luta, desta vez sem paz…

  • QUINTO LUGAR 

 

Movimento

Zilca Tosta Coutinho

mente estilhaçada

suspensa 

em memórias

ultrapassadas

 

o que veio

depois

que a dor

foi embora?  

 

coisas, pessoas, lugares

 

desordem de pensamentos

desconexos e involuntários

como músculos 

que funcionam 

quase imperceptíveis

dentro de corpos

inaudíveis

 

um movimento

incômodo

e brusco

nas vísceras

e no peito

me faz pensar

no tempo desfeito

 

não existe escapatória 

o movimento retorna

 

e avisa 

que viver

é despedir-se

em pequenas doses

do agora. 

 

  • SEXTO LUGAR

Insuficiência cardíaca

Thiago Costa Franco de Oliveira

 

Era um sujeito palpitante,

Coronário e cordial.

Num certo dia de pressão (destes de rotina sistólica e diastólica)

Tornou-se miocárdico e circular. Perdeu o ritmo.

A tensão foi aumentando, hipertensionando,

Sua vida átria se perdendo num sopro, num eco,

Num eco

Do que um dia havia sido.

O semblante arterial já denunciava sua vida cava.

A cada passo marcado, um dilema trifurcado, tricúspide. 

Procurou, sem sucesso, a válvula de escape.

Não conseguia mais lidar com a parada. Fartou.

 

Até que em uma tarde, numa das vias arteriais do coração da cidade,

Encontrou seu pulso novamente, transplantado na imagem de outro alguém.

Daquele dia em diante, 

o sujeito venoso, introspectivo e capilar

Descobriu que seu coração (científico, anatômico e solitário)

Era insuficiente

E só palpitava em par.

 

  • SÉTIMO LUGAR 

 

AS ENGRENAGENS DO TEMPO 

Dilson Solidade Lima

A Eternidade anda apaixonada pelas produções do tempo.

William Blake

 

Imerso nesse quarto, enquanto assisto

o excêntrico espetáculo das horas,

a eterna brevidade vem do agora

sangrar dentro do peito como um Cristo.

 

Dormindo a humanidade o sono injusto

das materialísticas escolhas

e cada um por si, em sua bolha,

reinando no seu trono mais venusto…

 

Um susto, um surto, um súbito cometa,

(breve, não mais que breve) leve giro

dos tiques nos ponteiros, um suspiro

e o penúltimo grão dessa ampulheta

 

caindo… Não se sabe ao certo o rumo:

para onde o curso dessa vida avança?…

“Descansa, (um vento passa e diz) descansa!

Essa existência é nada mais que fumo”.

 

Fumo e o mundo, esquálida miragem,

uma saudade, um estertor imensos,

um cirandar de átomos suspenso

no nada, no clarão da paisagem.

 

Um trago astral no ar abraça a lua,

de rubros um Rembrandt as sombras cobre…

Chove! Cai uma tênue chuva sobre

os paralelepípedos da rua…

Eu, em sondas siderais, paralelismos,

silente e só, as pálpebras pesadas,

olhava a imensidão e via o Nada

olhando para mim com seus abismos.

 

Cismo… O relógio marcha, a noite foge:

pavão de cinzas-estelares, plumas…

De longe vêm de novo abrindo a bruma

os dedos da manhã de um outro hoje.

 

Como uma serpe de fumaça morde

a carne tão macia dos espaços

a súbita expressão do tempo abraço

e escuto no silêncio os seus acordes:

 

Silêncio! — Essa vida: um só segundo…

Silêncio! — Um cometa cai no mar?…

Silêncio! — Escuta o tempo a sussurrar…

Silêncio! — Cai a máscara do mundo…

 

  • OITAVO LUGAR

 

indelével

Daniel Gomes Rodrigues

 

tenho na palavra minha panaceia.
nela também minha desgraça.
dilaceram-me os verbos
que correm sob minha carne
eufóricos e revoltos
ansiosos por uma liberdade
que jamais poderei oferecer
pois em mim tudo se encerra.

tenho no dia latente o essencial.
nele também minha desgraça.
os espantos me consomem
construindo meus castelos
ou demolindo, comigo, minhas pontes.
mastigam-me, ávidos ou deleitáveis
sem desejo qualquer além de ser
enquanto em mim tudo revivo.

tenho na clareza minha glória.
nela também minha desgraça.
implode-me a verdade, visceral
dissipando qualquer dor – mesmo que doa
e eu me diluo em mim e no tempo
em busca do fugaz momento
que possa tornar real e nítido
tudo que em mim registro.

sedento, sigo a fitar a jugular do dia
esperando que o instante mais cotidiano
me invada e me faça rasgá-la
pondo a jorrar o sangue (da verdade
do tempo da vida)
que necessito para escrever o que preciso
        – e que apodrece lentamente
        junto à carne de meu coração torpe
        que com nada mais se assusta;

sigo, porém, completamente ciente
de que nem o sangue mais belo
trará a clareza que ambiciono
às palavras que me devoram
e com as quais tolamente tento transcrever todas as coisas.

16.05.2022

  • NONO LUGAR

 

CORRE MENINO

RAFAEL NEVES DE SOUZA

 

Corre menino,
corre que o tempo é findo
tão curto é o tempo de graça
que já está se esvaindo.

As ruas de barro e asfalto
estão órfãs de pés descalços
de vozes que se estendiam
até o Sol se deitar.

Vai lá e corre menino,
corre que a vida é um sopro
pique-esconde e amarelinha
não se baixam no Play Store.

As calçadas e os quintais
estão sentindo sua falta
pule as cercas digitais
sinta a paz que a sombra é farta.

Por isso corre menino, abre os braços,
larga um pouco do teu celular,
pois os ventos vagando em teu quarto
são inimigos da pipa no ar.

Pseudônimo: DJEMERSON

  • DÉCIMO LUGAR

Cais do Valongo (1811 – 2016)

OVÍDIO POLI JUNIOR

 

No Cais do Valongo o tráfico é intenso.

 

Um entra-e-sai danado: chegam os pretos novos

recém-chegados das galés

 

Na vala comum do ancoradouro

em meio à maresia

 

ossos | cacos de cerâmica | vidro

Angola Congo Moçambique

queimados

e depois a pá de cal

 

Tanto negro soterrado pelo tempo 

esmagado nas engrenagens

da máquina mercante

 

Batem os tambores e soa o batuque sobre o couro quente: 

no Valongo ressoam trôpegos os sonhos

dos ancestrais escravizados

uns do lote banto | outros do lote iorubá

 

Sobre o antigo chão um novo piso de mármore:

pra vir Tereza Cristina Maria de Bourbon do outro lado do mundo

casar com Pedro II

 

Ainda hoje aqueles ossos | aqueles restos

aquelas peças todas aos milhares

abandonadas em um galpão

para catalogar:

 

um colar | um cachimbo

uma cesta para colher grãos

uma velha colher de madeira

uma bengala de castão

 

um trapo sujo | uma tíbia de criança

um cesto de bananas para vender

 

[vestígios] [ornamentos] [artefatos]

soterrada a memória de todo um povo

 

Naquele sítio ar-que-o-ló-gi-co do Rio de Janeiro

funcionou o velho mercado negreiro

(o maior das Américas)

encoberto pelo desprezo e pelo tempo

trazido à luz graças a uma espécie de erupção vulcânica:

 

um ti-ti-ti na região portuária

obras a pleno vapor pras Olimpíadas

e o VLT – veículo-leve-sobre-trilhos

(entre austeros mapas concebido)

Leia os poemas finalistas da categoria regional!

PRIMEIRO LUGAR

O QUE É CULTURA

Rodrigo Lopes da Costa

 

É escrever a óleo o boi pantaneiro sobre a tela.

Feita por um mané qualquer e pouco importa

Se dilurida em Barro, ou

desinventada no Marinho.

 

É coisa feita por mãos calejadas 

que entalha a figura de um bugre 

numa raiz de macaxeira.

 

É samba cifrado em acordes;

Entoado no berrante;

enquanto o velho trem atravessa o pantanal.

 

É luz, câmera e ação.

É um sorriso fotografado;

Um passo ensaiado,

Um texto decorado, ou 

Um ato encenado pelos palcos da vida.

 

É o pantanal, a piraretã e o ninhal

São os Guaicurus, os Kaiowas e os Terenas

A pintada, o dourado e a capivara;

É o tereré, o jacaré e a seriema;

 

É nosso estado, 

O manso e o regato

É o rio que nos une; 

A cheia que nos separa.

 

SEGUNDO LUGAR:

Teatro de Sombras

Olegario da Costa Maya Neto

 

Flauner sem destino, caminho a passos lentos a esmo,

Procuro com afinco encontrar algo esquecido. Pasmo,

Diviso ao longe cena daquele velho conhecido, meu passado,

Que já faz bater mais forte no peito o músculo cansado.

 

A chuva cai em gotas miúdas, sem pressa, mas sem trégua

Vai molhando as pessoas sisudas, suas roupas, almas e olhos,

Prisma líquido, ela transpõe com a imaginação a légua

Que separa o pretérito querido dos preteridos escolhos.

 

Caminho devagar pela velha cidade da minha juventude

E reencontro a cada esquina uma parte perdida de mim

Cada local desperta uma lembrança visual de dentro desse açude

Infinito, esse teatro de luzes, cores e sombras sem fim.

 

Vejo um a um meus amigos, minha amada, até os meus

Eus mais jovens. Cada cena me provoca uma emoção,

Evoca vozes, ecos passados, na ensurdecedora mudez elas vão

Ajudando a me despedir daqui, de mim, do que vivi, a dizer adeus. 

 

TERCEIRO LUGAR

Rosa

Reginaldo Costa de Albuquerque

 

Pleno sol matutino anima os tons de opala…

A luz, num jorro, move os gonzos da janela

e no ambiente ancora aflita, e lenta, e rala…

Um triste quadro, ainda atual, se revela.

 

Rosa, sobre o sofá, sem desejos nem fala,

dorme… e já nenhum sonho adorna o sono dela…

No alto, aos borrões de seiva escarlate, a fitá-la,

tela onde um moço, firme, enlaça a noiva bela.

 

Rosa, folhas ao chão, não palpita-lhe o seio…

Pende a corola… ao lado, a tesoura entre assombros

de furtá-la do hastil, num rasgo imenso e feio…

 

E ei-la a fauce murcha abre… um sopro de alma aflora

e ergue-se e sonda e foge e leva um grito aos ombros:

O tempo de quebrar amarra ou jugo, é agora!…

QUARTO LUGAR

Retratos cotidianos

Adrianna Alberti

 

Eu vejo o belo na imperfeição

Em cores manchadas e quaradas 

Em cortes supostamente retilíneos

Curvas e pontas afiadas sombreadas de sol

 

Há beleza na rotina suada

Proporção vagabunda tão digna de museu

O diário encanta como uma peça elaborada em exposição

Retoques feitos por muitas mãos sem nomes

 

Boniteza explícita em pichos nos muros 

Rostos cansados e roupas usadas,

ora aglomerados, ora vazios.

Às vezes, o olhar vago, como o meu,

observando através,

mais o nada do que as horas perdidas

 

Há belo no rachado das peles,

nos calos e tufos oleosos de cabelo

Cicatrizes esmaecidas contando sobre peles experientes

Vozes desconhecidas, digitais, calor de abraços,

sapatos desgastados, pneus carecas

 

Algo de bonito no descanso do asfalto de beira de estrada

Os galhos retorcidos antes em flor, antigos de estações

Cinza de ruas esburacadas, descuido e sujeira

Árvore em prantos de cupins, sorvendo fumaça e chuva esparsa,

em verde seco de jardins

Descuido de um móvel cheio de poeira vermelha, 

vassouras esquecidas ao relento.

 

QUINTO LUGAR

BALADA PARA IPÊS URBANOS

Volmir Cardoso Pereira

 

Um homem bem vestido dobra a esquina

Pensando em bitcoins e noticiários,

Quando para, estático na brisa,

Ante a árvore e os cachos de seus galhos.

 

Um homem bem vestido, sob os prédios

Vê, terrível, nu, nédio: o Ipê.

 

A flor escandalosa, um barravento

Acendendo as meninas desses olhos

De gente envelhecida antes do tempo.

O ipê: entre julho, agosto e setembro,

Quando as quimeras de fim de ano ainda estão longe demais

E os arlequins e carnavais foram todos soterrados.

Quando o homem, formiga, morde os lábios no inverno

E descobre que não juntou o necessário.

Também se foram (que averno!) as andorinhas e as cigarras 

Pois o verão já se desfez,

E não sobrou nem prata, nem voo, nem canto, nem nada.

Repare bem, hei, você,

Nesses três meses de cinza, poeira e muito vento,

É que se vê: o ipê.

 

Flor magnética arrastando nosso olho enferrujado.

Prestai atenção: o ipê amarelo, esse ouro delicado,

Como um raio que se congela, enraizado no chão,

Riqueza gratuita em meio à urbe e seus estragos,

As pétalas feito chuva, mínimas mãos

Jorradas dos braços de Gaia: seus afagos.

 

Ipê, que também é roxo, buquê litúrgico, quaresmal, 

Espírito todo carne, arte, Van Gogh vegetal,

A púrpura no fim do dia,

O riso possível, espirro na pólis, pólen de melancolia.

 

Ipê, branco, inadmissível, extraordinário

Como a festa de um luto oriental

Irmão das cerejeiras, amigo tropical de japoneses imigrados.

Um sândalo, um bálsamo, o perfume na íris, imemorial.

 

Ah, quem dera morrer como as suas flores na calçada,

Semeando só a cor, sem querer colher mais nada.

Amarelo, roxo e branco, ipê, espanto: o que dizer?

Tua tinta nos fere e quase nos envergonha,

Tanta beleza nesse ar sujo em que se sonha,

– Pra quê?

 

SEXTO LUGAR

Aos bugres do Mato das bandas do Sul

Marcia Regina Scherer

 

Eis que o chão, nossos pés pisam

Descalços, rachados, avermelhados d’apoeira

Eis que aos céus, calejadas das ramas, nossas mãos se erguem 

Em prece

 

Nossa senhora dos bugres de cá

Olhai por nós

 

Fazei crescer a mandioca, a erva do mate

A planta do chão, a palma da mão

Que nos caia a chuva do céu

E lave o tiro 

E lave a morte

E toda a sorte

Que nunca nos serviu

 

Que’a sina de ser bugre não seja nosso fardo

Ou nosso castigo

Que’o nosso canto, bugrado, seja ouvido

E como mantra entoado

 

E sem querer abusar da ousadia que me dá

Se não for favor demais

Traz pra gente um tiquinho a mais de riso

Que é pra gente celebrar 

Os pés no chão

A mão na enxada

A água que cai

E a alma lavada

 

 

SÉTMO LUGAR

PEIXE DOURADO 

Catiane Duarte Diniz Rezende

 

Senhor Gastrópodes era um caramujo temperamental. 

Tropecei nele enquanto procurava folhas no quintal. 

Esbravejou: Mal frequentado esse Pantanal! 

Escondeu em sua concha espiral. 

 

Eu, humano, segui. 

Um, dois, três, quatro passos … 

 

Escutei o Senhor Quero-Quero reclamando da minha aparição. 

O vigilante saltou para defender seu território … pedi redenção!

Salvou-me a capivara, ofertando sua benção. 

Após o susto, andorinhas fizeram canção. 

 

Eu, humano, segui. 

Cinco, seis, sete, oito passos … 

 

Cheguei num riacho, correnteza brava, nas margens do rio, a iguana.

A cauda chicote abria passagem para dentro da mata, sua cabana!

Ela fugia da onça pintada, lá no barranco à paisana.

Acovardada com eximia galhardia, perdi a chalana. 

 

Eu, humano, segui.

Nove, dez, onze, doze passos … 

 

Sede, cansaço, atirei-me no tronco de uma árvore frondosa, estava amargurado.

Avistei uma garça real cantando, pousou nas manchas do ipê amarelado.  

Um velho perguntou se eu tinha algum desejo e bateu o cajado … 

Eu? humano? Acordei nadando … virei um peixe dourado. 

 

OITAVO LUGAR

PARTO

Ligia Tristão Prieto

 

Escrevo

Pra parir o mundo

Pra nascer de novo

Pra comer segundos

Escrevo de nascença

De sobrevivência

De natureza

Dando à luz 

As palavras mortas

A solidão do porto

As tragédias constantes, 

 

Escrevo

Daquele sangue que escorre

Que não vem da vida

E nem da morte

Que vem do pulso

Que dança insano

Na insistência profana

De dar, de dar, de dar

À toda vaca louca

Qualquer chance

De vida

No meio de tanta lama.

 

NONO LUGAR

Visita onírica a Papelópolis

Gabriel de Melo Lima Leal

 

noutro dia em sonho de jornada

a papelópolis olvidada 

estranhoso visitei

 

percorria a cidade de pálidas

esculturas atabalhoadas 

que me olhavam como a lei

 

automobilísticas fumaças

fundiam-se avolumando as baças

fantasias do escarcéu

 

gotejavam condicionadores,

a água tragada dos servidores

ignotos do alto céu

 

ao passar ao pé do prédio infindo

li na arcada e estanquei ouvindo

papelópolis em outono

 

ao mirar acima, pras janelas

via as laudas em três vias, belas,

delas duas para o sono

 

caducas pétalas burocráticas

descartadas à estação errática

pela bruma citadina

 

a umidade vinda das paredes

não era extrato delas, mas deles

dos burocratas sovinas

 

e escorria como escarro do alto

até que as gordas gotas em salto

desgrudavam do edifício

 

e já no ar se abriam como bombas 

transformando-se em escuras pombas

num festim adventício

 

e atentei que nesse rebuliço,

indo ao chão num pouso alagadiço

as pombas se desfaziam

 

num chorume negro e movediço e

desse tão repunante serviço

ternos, gravatas se erguiam

 

DÉCIMO LUGAR

Já Não Mato Formigas 

Tamara Prantl Mangieri Figueiredo Ribeiro

 

Agora já não mato as formigas

Nem quando elas me picam

No meio da clareira um dia

Elas me disseram da vida

 

Para quê mais 

Depois de dois tudo se refaz

Como é a beleza dos golpes

De açoite em açoite

Mostra do que somos feitos hoje

 

E percebo a tristeza 

Em mim tão preenchida

Fosse um dia de domingo

Eu não teria morrido

 

Mais que um eco e menos que o épico

Sem rumo o céu aponta

Com a estrela do Cruzeiro

Me lembro que me fiz assim

Mais um torto gauche

À moda brasileira.

Conheça os finalistas da 34ª Noite da Poesia!

Na semana passada, foram revelados os finalistas da 34ª Noite da Poesia. A live onde os finalistas foram revelados pode ser assistida clicando aqui.


Confira os finalistas regionais da 34ª Noite da Poesia:

CIDADE NOME NOME DA POESIA
Campo Grande Adrianna Alberti Retratos cotidianos
Campo Grande Catiane Duarte Diniz Rezende Peixe dourado
Campo Grande Gabriel Nelo Lima Leal Visita onírica a Papelópolis
Campo Grande Ligia Tristão Pietro Parto
Campo Grande Marcia Regina Scherer Aos bugres do Mato das bandas
Cassilândia Olegario da Costa Maya Neto Teatro de sombras
Campo Grande Reginaldo Costa de Albuquerque Rosa
Campo Grande Rodrigo Lopes da Costa O que é cultura
Campo Grande Tamara Pratl Mangieri Figueiredo Já não mato formigas
Campo Grande Volmir Cardoso Pereira Balada para Ipês urbanos

 

Confira os finalistas nacionais da 34ª Noite da Poesia:

CIDADE NOME NOME DA POESIA
Valença/RJ Carlos Bruno Silva Barbosa Guerra do Paraguay
Salvador/BA Daniel Gomes Rodrigues Indelével
Brasilia/DF Dilson Solidade Lima As engrenagens do tempo
Rio Grande/RS Léo Ottesen Lar
Rio de Janeiro/RJ Mauricio Limeira dos Santos Quebranto
Paraty/RJ Ovidio Poli Junior Cais do valongo
Itacoatiara/AM Rafael Neves de Souza Corre menino
São Paulo/SP Thiago Costa Franco de Oliveira Insuficiência Cardíaca
Campinas/SP Valéria de Cassia Pisauro Lima Sina estradeira
Salvador/BA Zilca Tosta Coutinho Movimento

 

O resultado final será revelado dia 15 de setembro, no Teatro Glauce Rocha, 19h30m. Junto com a palestra do poeta Allan Dias Castro. A entrada é gratuita.